19.5.08

Rua do Afeto


Completando o pensamento do post abaixo...

Escrever virou uma espécie de vício. Já não posso ficar parada. Ou estou lendo, ou escrevendo. Agora estou “agarrada” a uma nova mania. Minha bolsa, que já não é leve e nem pequena, agora carrega mais um utensílio (e sempre cabe mais um, assim como o cinto de utilidades do Batman ou a maleta de Mary Poppins): um caderninho do tipo scrapbook de tamanho mediano e sem pauta.

Claro que o caderninho está intimamente ligado à nova mania. Se tem uma coisa que me causa enfado é voltar todo dia para casa, no mesmo ônibus, na mesma paisagem e num trânsito de dar um nó até nas células ciliares da parte interna e externa do ouvido. Então, resolvi sacar o caderninho da bolsa e começar a fazer a lista de possíveis histórias que podem ser contadas aqui no bibidebicicleta. Tenho pouco tempo de estrada, achei que meu trabalho não tivesse me proporcionado muitos momentos. Portanto, era natural pensar que fosse demorar um tempo grande para preencher uma folha média frente e verso. Que nada! Com a letra miúda, seis páginas já foram devidamente rabiscadas. Acho que nem tudo convém contar ou nem tudo teria a mesma graça e a ênfase de quando falo sobre os fatos, numa performance ao vivo.

Mas o ato solitário de escrever durante a viagem tem me feito uma ótima companhia. E agora é batata! Estou entediada ou babando na gravata? Vou escrever...Quem se senta ao meu lado pode até pensar que se trata de psicografia, porque quando começo, não olho quase para os lados, deixo fluir a criatividade em trânse entre um sacolejo e um solavanco do trânsito. “Adoro motoristas delicados em cidades sem crateras”. Mais hilário é quando, mordidas pela curiosidade sem limite, as pessoas tentam saber o que faço ali, o que tanto escrevo. É um tal de olho cumprido, alongamento de costas e pescoços...e eu, rindo por dentro.

Assim, vou variando entre: 1) Ter a companhia da Dani Maia; 2) Estar completamente mergulhada nas passagens de bons livros ou 3) Salvar o meu eu do tédio mortal, colocando em prática uma das minhas atividades favoritas – off-work. Ah, e tem também aqueles dias em que apenas observar a movimentação das pessoas é o bastante para te dar munição para as histórias mais loucas ou mais intrigantes. Vou terminar com uma delas.

Não dá para fechar os olhos e fingir que as ruas não estão cheias de pivetes e de “moradores”. Talvez o carioca já esteja tão habituado a tal situação, que a cena já nem desperte mais a atenção ou cause curiosidade. Não é uma questão apenas crítica no Rio de Janeiro. Com o inverno se aproximando, contrariei a expectativa dos meus olhos – que até protegem a mente contra brutalidades para as quais quase nada podemos fazer, minimizar ou resolver – e comecei a perceber tanta gente na rua...Acho que com a chegada do inverno, a tendência é eles se agruparem para garantir o mínino de conforto(?) na luta pela sobrevivência. Tenho observado muitos corpos estendidos no chão; alguns, protegidos por colchas. A cena me constrange.




Outro dia, ao voltar para casa, me deparei com um grupo de homelesses que se abriga debaixo de um viaduto. É instintivo passar ali com medo. Ao caminhar apressada e alerta, ouvi uma voz em tons de alegria. Ao me aproximar, vi uma cena rara: um homem de terno e gravata, brincava com um menino de rua de um ano, mais ou menos, que estava no colo de seu pai, tão sujo quanto o remelentinho. A criança dava gargalhadas e isso já bastaria para tornar a cena simplesmente encantadora e nos oferecer um sem número de lições. Ao passar ao lado do engravatado, ouvi ele falar:

Engravatado Muito bem, garoto, titio te ama, viu!? Eu te amo! Não esquece disso! Tem muita gente que ama você assim como você é!

O homeless pai também sorria com a brincadeira. Ele e o engravatado, por mais inacreditável que pareça, tinham algo em comum: um bebê, por quem nutriam um tipo de afeto. Eles pareciam se conhecer de outros tempos. Daí você pode se perguntar: se o cara está engravatado, ele teria condições de fazer algo mais palpável em relação àquela família?! Quem sabe? Eu não sei...mas também, nunca poderia imaginar que alguém pudesse simplesmente oferecer amor, assim. Crianças de rua ganham trocados, comida e uma sorte sem fim de violência, que muitas retribuem à altura ou até pior. Fico me perguntando se alguma delas ouviu falar de amor ou se sentiram amadas algum dia na vida? Não é uma justificativa para a atitude do homem, até porque, pode ser que ele venha ajudando regularmente àquela família. Mas o quer quero é dar ênfase a uma palavra tão forte que já não se ouve nas ruas... Amor.

2 comentários:

Saulo disse...

Eu não me acostumo!! Nem pretendo!
Para mim, perder esta sensibilidade é perder os porquês mais fundamentais da vida. Não tenho a grandeza e a força de Madre Teresa para ajudar a todos. Porém, tento notá-los e fazê-los notáveis... como por exemplo... cumprimentando os que vejo com um "bom dia"...
É muito pouco, eu sei.
Quem sabe um dia eu seja também como Madre Teresa... quiçá!

Anne Katheryne disse...

Noossa.. q estória! Fiquei super curiosa pra saber qual a relação do engravatado com os homelesses...