20.10.08

Caso Eloá


Trabalho em uma empresa de comunicação. Tudo bem que não somos um jornal [obrigado por força das circunstancias a estar em cima dos lances diários], mas uma editora. Porém, até o meio da semana, a maioria dos meus colegas ainda não estava acompanhando o desenrolar do seqüestro de Santo André. Prazos, correria do fechamento, assunto policial que não é pauta, circo ainda não armado na imprensa e o fato de eu ser meio viciadinha em portais de notícia, enquanto os outros não tem muito tempo para tal luxo. O fato é que hoje, o evento está sendo descrito e noticiado em todo e qualquer veículo e todo mundo passou a acompanhar o caso, mesmo que não quisesse. O assunto passou a ser tema da mesinha de damas da pracinha do bairro ao balcão da padaria; do debate inflamado dos motoristas de táxi durante qualquer viagem ao bom-dia de qualquer porteiro [da sua casa ou do trabalho]. Aposto que será mais um daqueles assuntos comentados por dias a fio [inesgotavelmente], mas do qual não saberemos da solução final. Ou alguém se arrisca a dizer a quantas andou o caso Von Richthofen? O caso do policial que baleou a professora no desfecho do seqüestro do ônibus 174 no Jardim Botânico? E quem matou o Sandro, o seqüestrador? O caso da menina Isabela, supostamente jogada da janela por seu pai e madrasta?

Eu estou acompanhando o caso de Santo André desde sempre. Começou com pequenos flashes na Globo e depois virou um circo da notícia. Fiquei arrepiada quando me dei conta de que programas de televisão estavam ligando para o celular do bandido, dentro do cativeiro, a fim de conseguir uma entrevista. Sério, sou a favor da liberdade de imprensa, mas existem certas atitudes que colocam em risco a vida de outrem, que está preso a uma situação à mercê de um desequilibrado. Imagina dar voz a um bandido?! Ficar ligando para uma pessoa que está vivendo uma situação limite [criada por ele próprio, está certo, mas ainda assim fora de qualquer controle ou ato de racionalidade lógica]. Fiquei meio enojada.

E o assunto foi rendendo até chegar a um desfecho trágico. Aí, aparecem uma série de profissionais dizendo que já sabiam que o pior estava por vir. Não precisa ser especialista para compreender que aquilo era uma panela de pressão pronta para explodir. O que me é de difícil captação é saber porque esses profissionais de psicologia e da psiquiatria não se envolveram no caso?! Quem estava à frente das conversações – posso estar errada – era um profissional da polícia, este, portanto, acostumado a negociar com quem tem algo para negociar. O Lindemberg, no delírio insano de um pseudo-amor-possessivo acordado nas sombras da amargura, não tinha mais nada a perder! Talvez não fosse questão de troca; talvez não fosse questão de pensar que tinha toda a vida pela frente; talvez não fosse nem o caso de pensar na família dele, já que para tomar a atitude extremada, ele pensou apenas em si mesmo e na sua dor. Era uma questão tão mais profunda, além da capacidade de pensar nas conseqüências legais de uma atitude irracionalmente tola.

Ali, amor para ele era posse. Posse de algo sobre o qual ele já não exercia poder algum. Posse de algo cuja 'posse' ele tentou retomar e infelizmente foi bem-sucedido. Ele teve pleno controle sobre o viver e o morrer de uma menina que apenas começava o seu currículo amoroso e tinha toda uma estrada pela frente. Ela provavelmente ofereceu o seu melhor e recebeu de volta um sentimento que anda muito em voga na sociedade: o egoísmo, o egocentrismo e a posse que aparecem disfarçadas de algo bom, mas que na verdade está ‘coisificando’ o ser humano, transformando-o em objeto [descartável] de suas ações e emoções [vazias]. Vence quem for mais forte... Só que no amor, não há vencedor ou perdedor: há apenas pontes para novos sonhos em caminhos de igualdade.


Vamos criar novas pontes?

7 comentários:

Anne Katheryne disse...

"Só que no amor, não há vencedor ou perdedor: há apenas pontes para novos sonhos em caminhos de igualdade." Lindo isso!! =)

Ana Martins disse...

Bibi,

O desfecho do post me emocionou. Chorei.

Muito lindo mesmo.

Saulo disse...

Quantas idiotices fazemos em nome do amor! Das mais ridículas a estas absurdas... Não sei ne o que pensar/sentir... prefiro esquecer q esta criatura existe.

Unknown disse...

ai, miga, não consigo nem visualizar o sentimento dele como amor...aquilo é doença. Amor não faz ninguém matar o ser amado, e sim, que ama morrer de amor!

Anônimo disse...

Quando acho que já vi de tudo nessa vida, vem coisas assim e mostram que a humanidade (se é que podemos chamar de "humanos"?)pode sempre fazer o pior... O ano todo, nós brasileiros, abrimos os jornais e nos deparamos com algo assombroso. Ou um pai jogou sua filha da janela; ou um ex namorado possessivo e louco, mata a ex pq não lhe ama mais; ou um funcionário mata o patrão "sem querer", pq este não lhe tratou como sempre tratava... Gente! O que está acontecendo com o amor??? As pessoas simplismente esqueceram que só amando que se recebe amor de volta? Mesmo que não seja o mesmo tipo de amor que vc doa, vc terá boas coisas, se plantar bons frutos, sempre! No meu Blog eu falei sobre como as pessoas estão desacreditadas no amor. Essa palavra é tão maravilhosa que só de falar, já da vontade de sair amando (no bom sentido, claro) a tudo e a todos! Amiguinha... Nunca vou deixar de acreditar que as pessoas podem fazer melhor. Eu sei que muita gente passa por problemas. Eu sei que muita gente passa fome, frio, sede, sofre... Mas, tb sei que se vc sempre tiver a "humanidade" estampada na cara e no coração, coisas positivas se voltam pra vc. Quanto à imprensa, muitas vezes ela é cruel, mas, muitas vezes tb ajudam a buscar a verdade. Ainda falta um pouco de limites em alguns veículos, é verdade, mas, nem todos somos perfeitos. Ainda temos muito que aprender... "Hay que endurecer-se. Pero sin perder la ternura jamás". Ernesto Che Guevara

Sah. disse...

amei! linda opiniao!

eu penso da mesma maneira!

floresemvoce disse...

É o mal que se espalha pelo mundo!!!Sabemos disso! Mas as coisas têm piorado a passos largos. Qualquer um que trabalhe com adolescentes percebe isso. Uma cultura do hedonismo presente onde o que importa é o que eu quero, do meu jeito. Não existe mais senso de coletividade. As pessoas não conseguem mais pensar no outro. E aí, casos como esse acontecem e todos se escandalisam...mas riem depois das piadas ao redor dos acontecimentos. O que é realmente chocante então - o caso ou o descaso?
Bela opinião a sua, uma abordagem muito interessante do caso, quando vivemos hoje em uma sociedade de valores trocados.

Bjs e saudades.