19.3.09

Meus Mendigos


Tenho respeito pelos mendigos.
A frase pode parecer estranha, mas é, de fato, verdadeira.
Mas tem que ser mendigo mesmo, daqueles de carteirinha. Que escolhe um lugar na calçada e ali vive.
Não compactuo com o que agora chamam de população de rua. Gente que tem casa e vive nas calçadas por uma série de razões. Não gosto dos que exploram crianças e feridas em busca de um trocado. Nem dos que se juntam a outros tantos para cometer crimes ou fazer baderna.
Aprendi a ter respeito pelos mendigos que tinham código de ética nas ruas.
Está achando estranho? Eles existiam!

Minha Avó morava em outro estado e sempre atendia a população carente à sua porta: era um copo de água, um pedaço de pão ou algo que estivesse na panela. Tinha um mendigo que ia sempre lá. Não todo dia, mas quando a coisa apertava. Arrumou uma namorada. Bateu lá na minha Avó e ganhou a sua "merenda". E falou para a namorada:

- Come! Come mesmo Mulher! Depois não vai dizer que passou fome na minha companhia!

Hein!? hahaha

Em frente ao apartamento das minhas tias tinha um também. Esse era considerado “de casa”. Marílio era o nome dele.
Marílio era boa praça. Cumprimentava os moradores.
Gostava de cantar. Essa era a parte ruim.
Como eu ia lá raramente, achava engraçado.
Fazia muito ôo.
Assim, como um grito de guerra.
Era educado. Minhas tias passavam e mexiam com ele:

- Como é que vai Marílio?
- Tudo belezinha, minha querida santa!


Minha querida santa era algo de muito especial.
Passei um dia com uma Tia que adorava uma cervejinha. Ela viu que Marílio bebia a sua, em copo de água mineral.

- Aí, Marílio, tomando a sua cervejinha!
- Estou sim minha querida santa. Quer um gole?

E esticou o copo na direção dela. “Vai encarar?”, eu perguntei, já morrendo de rir. “Eu não! Aquele copo todo babado”, ela respondeu. Foi quando eu ri ainda mais, porque não é possível que ela tivesse considerado a minha pergunta. Daquele dia em diante, disse que era o namorado dela. Ela dizia que era o meu. Mas toda vez que eu aparecia lá, ela me contava uma novidade. “Vi a bunda do Marílio hoje”... A gente ria. Era prenúncio do Big Brother Brasil.

Ele ficava ali dia e noite. Às vezes sumia. Minhas Tias iam para a janela, esperando por sua volta.

- Acho que dessa vez não tem volta. Devem ter levado ele para o abrigo!

Que nada! Dias depois estava ele de volta, cantarolando. Alegria da rua.
Tia N descobriu o número do pé dele e comprou um kichute. Tinha épocas que dava comida, noutras dava roupa.
Não deixava ele acumular bens não, porque apareciam outros para roubar e fazer maldade.

Quando um “dingão” de fora se estabelecia na rua, ele nem dava conversa. Se afastava. Não criava vínculos.
Até que um dia ele sumiu mesmo. Virou história.

Tentei ter a mesma afeição pela mendiga que morava na esquina da minha rua, a Lucia. Não rolou química.
Lucia era loira e vivia sentada entre dois carrinhos de supermercado. Seus bens.
Estava sempre suja.
Encardida.
No entanto, exibia as unhas do pé e da mão com esmalte vermelho.
Bem feitas, até.
Aquele unhão rubro em contraste com a sujeira.
Soube depois que ela havia sido manicure.
Desmiolou, mas não perdeu a prática.
Naquelas condições admirar uma unha bem feita é sinal de que boa profissional ela era!
Tinha medo da Lucia, porque ela perdia o juízo, vez ou outra. Da minha Mãe ela gostava, já que toda vez que ela passava, deixava um dinheirinho ou um esmalte para ela se divertir. Nunca vi a Lucia bebendo.
Já a encontrei nua, deitada em outra calçada, que não “a casa dela”.
Cena triste.
Talvez por eu ter crescido e pelas condições da cidade, a categoria mendigo de estimação já não exista mais.
Agora a gente ouve casos de pessoas que ajudam à população de rua, que acaba se voltando contra a própria família, a mão que o alimentou.
Acabou o código de ética.
Acabaram-se as cantorias.

6 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, eu vim hoje de manhã e tava tudo normal. Chego em casa à noite,encontro 825,7 textos novos! Tava inspirada, hein?!

Saulo disse...

Marílio!!! Caraca tinha esquecido da figura! Ele vigiava os carros da família quando estacionávamos lá, lembra?! Eu me recordo de um mendigo que "morava" na rua lateral à Basílica, se não me engano se chamava Luis. Sujeito simpático, caladão, mas boa praça. Seu mal era a babida, sua marca a risada! Todos o conheciam. Uma vez ele me contou que foi morar na rua depois de uma grande desilusão amorosa! Os padres já haviam confirmado esta história, chegaram a localizar sua família, seus filhos, mas ele se recusou terminantemente a vê-los e quando soube que eles viriam procurá-lo... sumiu! Sua mulher, seu amor de infância, o trocou por outro e levou com sigo seus dois filhos, um de colo e outro na barriga. Ele largou a favela que morava, o emprego e foi viver no asfalto. Triste, não?!

Bibi disse...

Saulo, essa história é Nelson Rodrigues total! O cara devia estar com uma depressão eterna. Coitado... Colocar a vida dele totalmente na mão de outra pessoa é coisa que não se deve mesmo fazer. Muito triste!

Anônimo disse...

Mendigo de carteirinha? Não pode. Pré-requisito para ser mendigo: jogue suas carteiras no lixo! Não, no lixo, não, pq vc pode catar no dia seguinte, sem querer. Jogue fore!
Fotografo mendigos qd viajo. Minha tese é longa e ainda não terminei de formular uma idéia central para me desculpar desses devaneios.

Sambeira disse...

Na Tijuca tem o mendigo poeta, a mendiga da porta do TTC (tijuca tenis clube). tenho vários preferidos lá tb. os de salvador sao chatos. ate q nao sao verdadeiros, aqui tem um monte de vagabundo fantasiado de mendigo..rs

Bibi disse...

Esses vagabundos fantasiados é que eu chamo de população de rua, exploradores da peidade humana, que já anda tão em baixa! Qdo eu falo de carteirinha, que o Valmir ficou mexendo comigo, é aquele que mora no lugar e não vive de pedir... Já conta com a solidariedade alheia, justamente por ser aquela a sua condição. Super estranho falar nisso e vejo que é cada dia mais difícil entender sobre o que eu falo.