4.6.12

"A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto"



Ele não estava propriamente escondido. Mas repousava meio jogado entre papéis, revistas, bugigangas e outros livros. Seus pares, é certo. Muito menos interessantes, no entanto. Havia um marcador no meio. Obviamente havia sido degustado por alguém. Ou estava em processo de. Talvez não, justamente por parecer esquecido entre coisas sem grande importância. Peguei. Meio mãos leves, sim. Mas meio pautada pela confiança estabelecida com o dono daquela mesa. Foi assim: como em um encontro não marcado, que "A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto" foi parar na minha cabeceira. 


Demorei séculos para ler. Desinteressante? Jamais um Luis Fernando Verissimo pode ser qualquer coisa que seja perto de desinteressante. Por amar demais, tive medo de me despedir. Fiz com que a nossa convivência fosse a mais longa e doce possível. Saboreei cada página. E me senti por demais inculta. Não, ele não trata de coisas que são do alcance de poucos. Esse é o segredo do LFV: faz do erudito, um sistema palatável, aplicável, degustável com especial atenção. 


São crônicas. Antigas até. Fala de futebol, cinema, literatura. É abrangente, portanto. A academia durante muitos anos torceu o nariz para a crônica. Agora ela começa a ser abraçada com muita parcimônia, com cuidado e consideração. O ensaio e os contos sempre tiveram a sua elegância. O vilão a ser escrachado é a tal da auto-ajuda. Tudo muda. É curioso notar isso em relação ao pensamento contemporâneo. A bola da vez, o autor mais moderno, os estudos que estão em pauta, o cânone revisitado, exaltado, portanto, em meio aos intelectuais pensantes. Eu, que não sou ninguém, gosto mesmo é de quem escreve para quem lê. Uma preocupação com o leitor, muito mais que com o rigor da forma. Não falo sobre o uso correto da língua, esse, fundamental (excluindo-se as corruptelas em nome da marcação de regionalismos, idades e classes sociais).


LFV escreve bonito, escreve erudito, escreve formoso. Faz da crônica, leitura considerada datada e passageira, algo que te transporta magicamente para o tal acontecimento e te traz, de mãos dadas, para o seu tempo. Mistura Hemingway, Joyce, Fitzgerald com a pátria de chuteiras e as coxas de Silvana Mongano. Uma verdadeira viagem salpicada por política e a arte de escrever. Tudo isso me foi ministrado à noite, em doses homeopáticas. E agora que ele já não me é um mistério completo, preciso me despedir. Ele vai voltar para a mesma mesa e ficar, talvez, a espera de novo incauto, ávido pela leitura. Tomara!

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