4.4.15

Corram para as colinas

Acusado de matar advogada na Tijuca é preso pela polícia em Manguinhos


Leia a reportagem do Jornal O Dia no link acima antes de seguir para o texto abaixo.

Fiquei sabendo do fato, claro. Foi bem divulgado na minha cidade. Vi na TV um monte de vezes, mas ao ler essa reportagem, pus-me a pensar/considerar...
* A violência nunca está longe de nós - no Rio, em especial. Aconteceu no meu quintal. Poderia ser comigo, meus familiares, amigos. E foi com a amiga de uma amiga. Grau 2 de separação, portanto.
* Silvia Maria morreu por causa de um cordão. Um cordão de outra pessoa. Ou seja: adianta você tentar se proteger saindo à rua sem nada que chame atenção? Não adiantou para ela. Não adiantaria para ninguém naquela situação. Segundo relatos, o cara saiu atirando a esmo para que as pessoas que atravessavam a galeria abrissem espaço para eles fugirem sem encontrões. 
* A situação está medonha, em especial, para a classe média. Gente vendendo o almoço para comprar o jantar. Cada qual se virando no orçamento apertado. E vagabundo vai roubar na Tijuca. Faz sentido tentar garimpar onde pouco se tem?! Mas sempre foi assim, pobre roubando de pobre... O assalto a ônibus já "esteve na moda" e diz muito sobre uma sociedade (não que algum tipo de assalto seja justificável. Não, não é. Nem a pessoas e nem a instituições. Mas pobre tirando de pobre me fala muito da miséria moral humana). E não foi apenas esse cidadão! A Tijuca está uma terra de ninguém, com ocorrências sistemáticas nas páginas dos jornais. Fora as que a gente não sabe e não vê (e as autoridades competentes fingem que não sabem e que não estão vendo).
* Falar que a situação está ruim por falta de oportunidade ou em função de criação me parece algo muito simplista; a desculpa da vez de todas as vezes. Tanto esse moço é de "berço" bom, que seu esconderijo foi denunciado por parentes (A TV diz que foi a própria mãe dele a denunciante). Para mim ter berço é ter dignidade. O que essa mãe mostrou ter. E muita! E crio a criatura que já foi pega duas vezes roubando na mesma região. 
* A falta de qualquer tipo de senso, medo ou a certeza da impunidade faz com que pessoas assaltem as outras na rua mais movimentada de um bairro tradicional, cheio de quartel de tudo que é Força, no meio da tarde.
* Minha mãe já teve o cordão puxado algumas vezes ali naquela região (todos falsos). Devo ficar feliz dela ainda estar viva, não é? será apenas isso o que nos resta? Agradecer não pela vida, mas por não termos sido assassinados?! Eu já tive uma arma apontada para minha cabeça em função dessa levadinha na Tijuca. Ou seja, ne... Tive "sorte" de não morrer. 
* "...Lúcio havia sido preso em setembro do ano passado, por roubo qualificado na região da Tijuca, e foi posto em liberdade em fevereiro deste ano", diz um trecho da matéria - O que?! Tá de sacanagem, né? Voltou e para a mesma região?
* Alguém duvida que essa mobilização toda das autoridades para encontrar o meliante seja "apenas" porque a corporação policial está tomando uma sova da opinião pública em função da morte do menino no Alemão? Hão de provar de onde veio essa bala. E não acho que a polícia, enquanto grupo, tenha culpa pelo que acontece na cidade não... Não consigo imaginar que tipo de coragem é preciso para se candidatar a um cargo tão perigoso, mal remunerado e pouco treinado para enfrentar oponentes fortemente armados que não tem nada a perder. 
* "...a bala que matou a advogada não foi encontrada", diz a reportagem.
Eu não sei se é torpor, se as pessoas já desistiram de se revoltar, se é um jeito natural do brasileiro de aceitar as dificuldades impostas... Não sei. Mas está ficando cada dia mais difícil sufocar esse grito na garganta. Tudo está ruim. Ver e ler jornal anda me dando muita angústia e desesperança. Ir ao mercado me deprime, em função da escalada de preços. Estou quase acreditando que a solução é correr para as colinas...


***
Depois que escrevi, duas amigas fizeram comentários, que achei pertinente trazer para cá.

Amiga 1 - Compartilho do mesmo pensamento. Está muito difícil...

Bibi - Eu não fazia compras quando a inflação era uma realidade, um dragão, como diziam, mas tinha entendimento para perceber o que acontecia dentro de casa. Sofremos também as consequências do Plano Collor e ai eu já tinha mais idade e ainda mais razão... Estou sentindo essas coisas voltarem e é assustador! Aliado à escalada da violência, a depressão e as doenças psicossomáticas tomando conta da sociedade, as roubalheiras públicas, as revistas e editoras fechando as portas (meu mercado de trabalho), nossos direitos individuais sendo negligenciados. Muito ruim. Muito sem horizonte. Muita necessidade de Deus. Mas Deus, sendo justo como é, vai deixar a sociedade sofrer as consequências das suas escolhas, não acha? São nossas escolhas (individuas e coletivas), no fim das contas. Depois fica todo mundo se perguntando "onde está Deus".

Amiga 2 - Não consigo me acostumar com a banalização da vida!! Aqui a vida de um ser humano vale menos que um cordão, um celular ou um tênis.
Bibi - Eu estou me sentindo sufocada. Vontade de me alienar, mas isso não resolveria nem parte do problema. Acho que até o cara que decide ser eremita está sujeito à bala perdida.
Amiga 1 - Escrevi sobre estarmos vivendo em uma terra sitiada... Pedindo a Deus que tenha misericórdia de nós. Concordo com você, quando diz que tudo parece estar voltando... Só que de forma muito pior, né? 

Bibi - Cara, uma vez na igreja e uma bala perdida furou o teto de amianto, correu entre mim e uma moça e queimou a perna dela, caindo ao chão. Só vimos que era bala, porque caiu ao chão. Podia ter entrado nela e a gente nem saberia do se tratava. Achei aquilo uma loucura tão grande... A gente estava dentro de um galpão, no terreno da igreja, conversando. Podia ter furado a minha cabeça ou entrado pela coluna dela. Foi um segundo. E nem barulho de tiro pela redondeza a gente ouviu. Ou seja: nem adianta tentar se proteger!